A gratidão é um nobre sentimento, que traduz o reconhecimento por algo de bom que aconteceu na nossa vida e a quem o proporcionou. Pode ser considerada uma emoção, uma atitude, um hábito, um traço de personalidade ou um mecanismo adaptativo.
Não sendo tão óbvia ou imediata como o medo ou a alegria, pode e deve ser ensinada às crianças desde tenra idade. Uma atitude grata perante a vida reflete uma visão mais positiva sobre os acontecimentos e as pessoas que nos rodeiam.
Como em quase tudo na educação, a melhor forma de ensinar é pelo exemplo. Pais que utilizam de forma regular a palavra “obrigado”, nas relações intrafamiliares, de amigos, profissionais ou nas interações com desconhecidos em lojas, cafés ou restaurantes, estão a modelar este mesmo comportamento nos seus filhos.
Pais que demonstram gratidão quando algo de bom sucede na sua vida e o partilham com a família também ensinam este mesmo sentimento às crianças a não tomar tudo como garantido ou devido.
Desde os pequenos gestos como agradecer ao condutor que nos deixa passar, a quem segurou a porta para passarmos, ou a quem nos serve um café, até grandes momentos como a cura de um familiar doente, promoção no trabalho ou uma casa nova.
Em muitas religiões (cristianismo, judaísmo, islamismo, budismo, hinduísmo) dar graças, ou seja agradecer, é uma parte essencial da espiritualidade. Estar atento ao que nos rodeia e acontece, focar nas coisas positivas que nos trazem alegria, bem-estar, prazer ou uma sensação de comunhão com o grupo e agradecer a quem contribuiu para o proporcionar é a atitude oposta de quem tudo critica, exige e nunca está satisfeito com o que tem, querendo sempre mais e mais.
Na sociedade de consumo em que vivemos, é fácil cair nesta segunda opção – de tudo querer e nunca estar satisfeito, mas será que essa atitude nos traz felicidade? Ou será uma atitude grata, de humildade de quem sabe que muito recebeu, que nos permite ser felizes, apreciar a vida, e querer partilhar com os outros o bem recebido?
A ciência demonstrou que a gratidão contribui para o bem-estar psicológico, melhores relações interpessoais e melhor saúde física e mental. Ativa o sistema de recompensa do cérebro (libertando do tão falado neurotransmissor dopamina) e pode aumentar a motivação, a concentração e a vitalidade.
Contraria o círculo vicioso da depressão e ansiedade focando-se nas experiências positivas. Está demonstrado que reduz o stress e a ansiedade, ativando o sistema nervoso parassimpático, e melhorando funções corporais como a digestão, sistema imunitário e o sono. A prática regular da gratidão parece promover a regulação emocional e uma melhor resposta a situações adversas.
Nas crianças mais pequenas podemos começar por simplesmente realçar e agradecer por pequenos momentos de alegria como um dia de sol ou uma refeição saborosa. Perguntar à criança como se sentiu quando recebe ou algo ou porque será que lhe deram um presente pode ajudá-la a parar para pensar, apreciar o que recebeu, e expressar a gratidão.
Agradecer à criança quando ela corresponde a algum pedido ou elogiá-la quando é generosa com os seus pares mostra como o fazer e dá-lhe a oportunidade de se sentir bem e eventualmente repetir esse gesto quando alguém lhe oferece algo ou a ajuda.
Se quisermos, a gratidão e a generosidade andam de mão dada. Crianças que sabem reconhecer e agradecer quando recebem algo de bom, mais facilmente têm vontade de partilhar com os outros.
Outra maneira é ensinar a criança a dizer obrigado em todas as circunstâncias que o justifiquem. Mais do que um gesto de cortesia, torna-se um (bom) hábito e leva a uma atitude de atenção aos outros e gratidão. Finalmente é bom hábito ao final do dia, por exemplo na hora de deitar, ou no final da semana, rever o que aconteceu, encontrar os momentos mais positivos e agradecer por eles.
Dra. Isabel Saraiva de Melo
Coordenadora da Pediatria na Clínica da Mulher e da Criança
Referências:
- Emmons, R. A., & McCullough, M. E. (2003). Counting blessings versus burdens: An experimental investigation of gratitude and subjective well-being in daily life. Journal of Personality and Social Psychology, 84(2), 377–389
- Stop telling your kids to be grateful. Show them how instead
- How To Help Kids Develop Gratitude