Há pouco mais de duas décadas, as redes sociais começaram como ferramentas de reencontro. Eram formas de procurar antigos colegas da escola ou familiares distantes, partilhar fotografias de férias ou mesmo pequenos pensamentos do dia. Hoje, tornou-se indissociável da rotina de milhões de pessoas em todo o mundo, moldando como consumimos informação, lemos notícias, trabalhamos, nos relacionamos com os outros e, sobretudo, a maneira como nos vemos. Estamos mais conectados do que nunca e, paradoxalmente, também mais sozinhos. Esta é uma das maiores ambivalências do mundo digital: as redes sociais aproximam-nos, mas também nos afastam.
Não há dúvida de que as redes sociais democratizaram a comunicação. Hoje, qualquer pessoa pode ter voz. Além disso, para muitas pessoas, sobretudo as que vivem isoladas ou com mobilidade reduzida, as redes sociais podem oferecer uma forma de ligação. Permitem manter contacto com amigos e familiares, conhecer novas pessoas com interesses semelhantes e até encontrar grupos de apoio emocional e psicológico.
A rapidez da partilha de informação também é uma mais-valia. Notícias, acontecimentos, investigações e descobertas chegam a todos em tempo real, tornando-nos pessoas mais informados e mais conscientes do que nos rodeia. Mas se as redes sociais vieram trazer estas possibilidades novas, também trouxeram desafios e riscos que, muitas vezes, se disfarçam de vantagens.
Um dos impactos mais significativos é o da saúde mental. O consumo excessivo de redes está associado a sentimentos de ansiedade, comparação constante, baixa autoestima e solidão. A ilusão de que “todos estão a viver melhor” é alimentada por algoritmos que promovem conteúdos visualmente apelativos mas muitas vezes, distantes da realidade.
O cérebro humano não foi feito para processar milhares de estímulos emocionais por dia sem tempo para integrar ou refletir. Aliás, o nosso cérebro não está preparado para termos tantos “amigos”. Robin Dunbar propôs que o cérebro humano tivesse limites cognitivos para o número de relações sociais significativas que conseguimos manter ao mesmo tempo. Esse número é frequentemente apontado como sendo em média 150, referindo-se a relações onde existe algum tipo de vínculo emocional. Foram propostos, ainda, diferentes níveis de intimidade: 5 pessoas dizem respeito ao nosso círculo mais íntimo (família próxima, melhores amigos); tendemos a ter 15 pessoas como amigos muito chegados; 50 pessoas é o número máximo apontado para as amizades regulares; e 150 pessoas é o total de relações significativas.
Ora, as redes sociais permitem-nos acumular milhares de “amigos” ou seguidores, mas o cérebro não tem capacidade emocional ou cognitiva para manter laços genuínos com todos eles. O resultado é que muitas dessas ligações se tornam superficiais ou ilusórias. Esta discrepância pode ter várias consequências:
- Sobrecarga cognitiva e emocional, ao tentar acompanhar demasiadas interações, mensagens e atualizações;
- Sensação de comparação social constante, com base em vidas de pessoas com quem não se tem um vínculo real;
- Diminuição do tempo e da energia emocional disponível para os relacionamentos realmente importantes;
- Falsa perceção de rede de apoio, que pode falhar quando realmente precisamos de suporte.
Imaginem uma pessoa com mil amigos no Instagram. Pode parecer que tem uma enorme rede social, mas em momentos de crise ou solidão, quantos desses realmente respondem ou aparecem? Frequentemente, voltamos ao nosso núcleo de 5-15 pessoas mais próximas.
Além disso, manter interações constantes com tantas pessoas online engana o cérebro, dando a sensação de socialização, mas sem os benefícios reais do contacto humano presencial (expressões faciais, toque, empatia direta, etc.). Importa ainda falar na questão das recompensas e visibilidade. Dado que são importantes para alimentar o engagement, tende a favorecer conteúdos polarizadores, sensacionalistas ou extremos, o que contribui para a crescente fragmentação social, onde cada pessoa vive numa espécie de bolha digital, rodeada por opiniões semelhantes às suas, e com cada vez menos tolerância para a diferença.
Outro impacto evidente é a forma como as redes sociais alteraram a nossa relação com o tempo. O hábito de “passar só uns minutos a ver o feed” transforma-se, muitas vezes, em longos períodos de distração passiva, interferindo com o sono, com a produtividade e até com a capacidade de concentração. Quanto mais tempo passamos numa aplicação, mais rentável ela é, daí a utilização de mecanismos de recompensa (gostos, notificações, stories) que geram um ciclo de dopamina viciante.
Este modelo tem consequências particularmente graves para crianças/adolescentes, cujo cérebro está em desenvolvimento e é mais vulnerável a estímulos de validação externa. Mas também afeta adultos, que se vêem muitas vezes a medir o seu valor pessoal pelo número de seguidores, gostos ou partilhas.
Apesar de tudo isto, não devemos demonizar as redes sociais. Elas vieram para ficar. A questão está na forma como as utilizamos, e se somos capazes de o fazer de forma consciente e equilibrada. Começaram a surgir, assim, algumas iniciativas interessantes globalmente. Algumas escolas introduzem a literacia digital como parte do currículo.
Algumas empresas promovem o “detox digital” entre os seus colaboradores. Enquanto profissionais da saúde mental alertamos para a importância de períodos de desconexão, de tempo passado offline, de reconexão com o corpo e com o presente. Talvez este 30 de junho (Dia Mundial das Redes Sociais) possa ser um momento para nos questionarmos: que lugar têm as redes na minha vida? Servem-me ou sou eu que as sirvo?
Dra. Roberta Frontini
Coordenadora da Psicologia Clínica
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